sexta-feira, 29 de julho de 2016

A SAUDADE É UMA ESTRADA LONGA...

... que começa e não tem mais fim. Essa letra feita pelo exímio violeiro Almir Sater me arremete a um lugar que mais sinto falta em minha vida: A fazenda Campo Largo, que era de propriedade de meus avós. Dificilmente quando eu ouço este maravilhoso artista eu não me lembro de algo relacionado àquele lugar ou àquelas pessoas.
Noite passada mesmo, eu me lembrei de um momento. Uma foto, para ser mais específico. Infelizmente não consigo postá-la aqui, pois ela está na caixa de fotos de minha mãe. Quem sabe um dia. Mas a imagem abaixo consegue ilustrar mais ou menos o que quero dizer. De resto, trabalhe com sua mente.
Meus pais entrando na casa da tia de meu pai
Vamos lá. Em frente a uma das janelas ficava um pé de laranja. Era naquele quarto que meus pais ficavam. Eu me lembro muito bem de um dia fazer pose nele para tirar uma foto. Máquina fotográfica era luxo. Ainda era daquelas que se colocava filme, “batia” a foto e esperava até que o rolo acabasse (que podia ser de 12, 24 ou 36 poses) e mandava revelar rezando para que nenhuma delas queimasse. Hoje em dia é tudo mais fácil, né?
E lá estava eu. Um pé na árvore e outro na calçada – que é diferente dessas de rua. Ela é elevada e fica na frente da casa, que geralmente fica no alto. Igual à da casa da imagem acima – com meu pai tomando distância para registrar o momento. A combinação de calça jeans e chinelos Havaianas era algo que eu só usava lá. A camiseta era a preferida. Era branca, com a gola e as pontas dos braços avermelhadas com um número “86”. Não sei o motivo, mas sempre teve uma época em que eu me apegava a algumas camisetas. Acredito que ainda seja assim. O dia estava nublado. Um tanto comum, já que era verão. Nós viajávamos sempre no final ou no começo do ano. Eu devia ter uns seis ou sete anos.
Retrato tirado, provavelmente segui brincando. Não sei exatamente de quê ou com quem, mas me lembro exatamente do lugar. Na frente da casa, um enorme jardim que minha avó cuidava com todo gosto. Tinha planta de todo jeito – inclusive o próprio pé de laranjeira – e do outro lado do terreiro, havia um pé de saboneteira onde o carro de bois ficava estacionado. Ao lado dele, um enorme coqueiro jerivá. A imagem do Passat azul claro que meu pai tinha naquela época está registrada em alguma foto na já citada caixa da minha mãe. De um lado da casa, havia uma “Casa da roda”, onde se fazia farinha de mandioca. Na frente dele, um pouco mais distante, um chiqueiro de cabras. Do outro lado, um curral, que era usado ocasionalmente.
Mas das lembranças, as que mais gosto são as de ficar sentado na frente da casa olhando para a enorme vereda e as de conversar com meus avós. Minha avó apressada com os afazeres e lenço amarrado na cabeça e meu avô sentado na calçada no fim da tarde, contando as histórias do passado e preparando seu cigarro de palha.
É por isso que “Saudade” é uma das palavras mais presentes nas poesias de amor e nas músicas populares. 

sexta-feira, 15 de julho de 2016

MAIS UMA DE DONA LENICE E SEU TÉRCIO

Já te contei sobre Dona Lenice e Seu Tércio, de quando eles estavam próximos a completar bodas de ouro. Desta vez, Seu Tércio estava sofrendo com uma dor de barriga terrível e por conta disso, seu humor já não estava dos melhores, afinal, um caso de constipação intestinal sempre é motivo para tirar qualquer um dos nervos, não é? Ainda mais ele, que já avançado na idade, não tinha paciência pra nada. O pior foi ter que encarar a saúde pública. Pegar fila e ser atendido às pressas.
 A consulta foi muito rápida, já que o médico de plantão estava impaciente por ter de atender muita gente. Depois de ouvir o que Seu Tércio sentia, o médico simplesmente gatafunhou uma receita e disse de modo apressado e firme:
– Está aqui – O doutor estendeu a mão entregando a receita – Amanhã o senhor irá evacuar tranquilamente. Quando sair, o senhor pode pedir para o próximo entrar, por favor.
Dona Lenice, que entrou com o marido, se levantou primeiro e pegando a receita da mão de Seu Tércio, já foi saindo. Minutos depois, antes mesmo de entrar na farmácia, ele disse à esposa:
Tenha paciência, homem!
– Anda depressa e compra logo essa porcaria de remédio que eu quero ir pra casa!
– Tenha calma, homem!
– Que calma, que nada! – Seu Tércio retrucou, continuando a queixa em voz baixa, murmurando palavras que não podiam ser compreendidas.
Vendo a agitação do marido, Dona Lenice mal falou com o balconista. Pegou logo a caixinha, e antes de pagar pelo remédio, Seu Tércio já estava do lado de fora. Em casa, assim que os dois entraram, Dona Lenice foi rapidamente até a cozinha e pegou um copo d’água. Seu Tércio, com o supositório na mão, franziu a testa e de modo espantado disse:
– Velha, olha só o tamanho desse comprimido! Isso não vai passar na minha goela não!
– Mas o doutor falou que vai melhorar. Bebe sem reclamar.
– Então parte em dois. De uma vez só não dá não...
Atendendo ao pedido do marido, Dona Lenice dividiu o supositório em dois e Seu Tércio os engoliu, reclamando do gosto ruim e da oleosidade. Pra tirar o ranço da boca, tomou tudo o que achou pela frente. No dia seguinte, ainda sofrendo com a constipação, Seu Tércio voltou ao consultório do médico decidido a reclamar tanto da falta de resultado, como do tamanho demasiado e do gosto ruim do tal remédio. Assim que ele entrou, antes que pudesse se queixar, o doutor – o mesmo, que ainda estava de plantão e com menos paciência que no dia anterior – nem deixou que ele falasse.
– Mas o senhor de novo? O supositório que eu lhe receitei não adiantou? Não é possível... – O médico lhe fez outra receita e entregou – Pois compre mais um. Dessa vez vai. Quando sair, mande o próximo entrar!
Demonstrando sua impaciência com gestos, Seu Tércio se levantou e saiu da sala. Não disse uma palavra sequer. Novamente passou apressadamente na farmácia, comprou o remédio e em casa o tomou da mesma forma e com a mesma dificuldade.
– Se essa desgraça desse remédio não funcionar, vou de novo naquele doutorzinho... Mas dessa vez ele vai ouvir! – Seu Tércio reclamou ainda fazendo careta pelo gosto do supositório na boca.

– Sei não... – Dona Lenice disse desconfiada – Acho melhor a gente não ir lá de novo naquele doutor não... Senão você já sabe aonde ele vai mandar você enfiar esse remédio...  •

sexta-feira, 8 de julho de 2016

SHAKESPEARE INSPIROU, MAS NÃO COMEU

Deu água na boca?
Anteriormente você já viu que pudim é uma de minhas especialidades, por isso resolvi fazer uma variação. Tudo começou num “Dia dos pais”. Querendo agradar o meu, resolvi fazer para a sobremesa do almoço especial algo que lhe agradasse. Sabendo de sua predileção por pudins, e por gostar do “Romeu e Julieta” tradicional – composto por queijo branco e goiabada – achei uma receita com essa sublime combinação. Com o tempo, fiz algumas alterações e hoje tenho minha própria versão. Antes de falar sobre isso, uma curiosidade. De onde surgiu esta sobremesa?
Falemos inicialmente sobre o nome de origem. “Romeo and Juliet”, tragédia escrita entre os anos de 1591 e 1595 por William Shakespeare – provavelmente no início da brilhante carreira do mais influente dramaturgo do mundo – fala sobre dois adolescentes cuja morte acaba unindo Capuletos e Montecchios, duas famílias rivais da cidade de Verona, que outrora estavam em pé de guerra.
Explicada esta parte, vamos para a associação do famigerado romance com a saborosa sobremesa. Tentei fazer uma pesquisa e não consegui determinar qual a origem deste vínculo. Alguns dizem que os búlgaros começaram a comer queijo com doce, e que a troca por goiabada – este sim, tipicamente brasileiro, surgido a partir da necessidade de conservar o fruto – acabou por ser algo natural. Já outros, dizem que sua origem se deu na época do Brasil colonial, especificamente para os lados de Minas Gerais.
Uma coisa que achei interessante, foi que em alguns lugares, vi que as pessoas associavam os dois ingredientes aos dois célebres personagens da seguinte maneira: O queijo salgado e a goiabada doce, díspares, tal qual eram as famílias rivais, tiveram em sua união algo sublime. A harmonia do salgado Romeu com a doce Julieta afrontou e derrotou o óbvio. E falando sobre a sobremesa, desta saborosa união surgiu uma variedade de doces, tortas, sorvetes e... Pudim!
Como falei, fiz algumas alterações na receita que vi originalmente. Quem já experimentou adorou e muita gente já me pediu a receita! Por isso, aqui está. Basta clicar aqui que eu te passo agora o passo-a-passo.

Forte abraço, beijo e até a próxima!  •

terça-feira, 5 de julho de 2016

A TEIMOSIA TEM NOME: CACO

Nas minhas andanças por aí, conheci um homem que passava dos limites da teimosia. Até hoje não consegui descobrir o nome dele, mas sei que o apelido era Caco. Tenho certeza que você conhece alguém teimoso, ignorante e bruto. Desses, tem aos montes por aí. Mas Caco por certo ganha de todos.

Que foi? Vai encarar?
A única pessoa que tinha paciência para ficar perto de Caco era Emir. Seu fiel amigo desde a meninice estava sempre disposto a ajudar o companheiro e principalmente, aguentar suas grosserias. Certo dia, os dois estavam trabalhando na fazenda, capinando uma roça, quando Caco começou a reclamar da quentura do sol:
– Não aguento mais! Que vida é essa! Já estou de saco cheio disso tudo! Amanhã eu vou embora daqui desse lugar dos infernos!
– Caco... Não fale assim não... – Dizia Emir com voz lenta repreendendo mansamente – é até pecado reclamar desse tanto...
– Pois eu reclamo mesmo! Não aguento mais! E não tem essa de pecado coisa nenhuma!
Mal ele acabou de falar, Caco se transformou num sapo. Virou notícia pra tudo que é lado. Todo mundo queria saber o que aconteceu e Emir calmamente explicava pra todo mundo sobre o castigo de Caco por ter reclamado demais. Durante muito tempo, Caco, agora sapo, ficou coaxando na lagoa daquela fazenda, até que um dia, com a mesma ligeireza, se transformou de volta em homem. Castigo terminado, as coisas ainda demoraram um tempo para voltar ao normal, mas com seu mau humor de sempre, Caco conseguiu espantar os curiosos.
Como num Déjà vu, lá estavam os dois amigos novamente trabalhando no mesmo lugar, na mesma roça, quando Caco esbravejou:
– Esse sol quente dos infernos... Não aguento mais! Já estou ficando de saco cheio!
– Fala isso não, Caco... – Retrucou Emir pacientemente – Já se esqueceu, foi? Não pode falar assim não... É até pecado falar uma coisa dessas...

– Pois eu falo mesmo! E qualquer coisa, a lagoa tá logo ali!  •

sexta-feira, 1 de julho de 2016

PILOTO AUTOMÁTICO

Tenho pra mim que o primeiro veículo com piloto automático foi o cavalo. Especialmente o de Melito – que aliás não sei se era nome ou apelido. Eu ainda era um menino quando estava de férias no interior da Bahia, quando presenciei uma cena que jamais me esqueci.
Aliás, esta em especial, mas cheguei a ver inúmeras cenas parecidas depois. Estou falando de gente que enche o caneco e depois de já não ter mais consciência terrena, resolve voltar pra casa montado em seu cavalo. Mas chegar lá é fácil, afinal, o piloto automático está ligado e vai ajudar. O problema é subir na montaria.
Enfim, falemos sobre a cena que não esqueci, ou melhor, voltemos um pouco para entender mais. Melito era homem falador. Gostava de cumprimentar e conversar com todos. Era o famoso “curva de rio”, pois para caminhar poucos metros, enroscava em cada pessoa para falar da vida. Coisa normal de interior.
E lá ia ele, com seu chapéu de couro na cabeça, uma camisa xadrez, – deste detalhe não me esqueci pois minha mãe tinha uma toalha de mesa idêntica àquela – calça jeans e uma bota de bico fino, daquelas de matar barata no canto da parede. Depois de muito beber, resolveu que era hora de voltar pra casa. E foi aí que o show começou.
Melito se tornou a atração da Venda. Alguns presentes que ainda beiravam a sobriedade viraram a atenção para aquele infeliz feliz que tentava subir em sua montaria. Ouvi alguns até casar aposta de que ele não conseguia. Levou uma perna e nada. Levou a perna de novo, dando algumas pedaladas pra ver se alcançava o estribo. Nada. Sentindo o inconveniente do insucesso, mudou de posição e mudou de estratégia. Apoiando as duas mãos sobre o lombo do paciente animal, recuou tomando impulso para o pulo. Com as orelhas pra trás, o cavalo prestava atenção, bem como os demais, que gritavam. Alguns incentivando, outros caçoando. E eu, só observando. O pulo foi de mais ou menos três... Centímetros. Tentou novamente, mas o segundo salto foi irrisoriamente maior que o primeiro. Outro insucesso.
Mas foi aí que ele ficou arretado de bravo. Apoiando somente uma das mãos no lombo do coitado do cavalo, o ébrio esticou o braço, tomou distância e saltou, conseguindo deitar apoiando a barriga sobre a sela. Impulsionando com as pernas, foi subindo cada vez mais e ao passar uma das pernas, começou a escorregar, e mesmo agarrando o pescoço do cavalo com força, caiu do outro lado. Só não se esborrachou porque o animal não era alto.
Em meio a gritos de ovação, Melito se sentiu encorajado – ou envergonhado, não sei dizer – e como se tivesse um momento único de sobriedade, tomou o mesmo impulso de sua derradeira tentativa e conseguiu. A aclamação pública foi imediata. Acenando a todos como prefeito eleito, Melito partiu seguindo rua acima. Mas quem disse que as apostas terminaram ali? Aquele lugar ficou parecendo o antigo pregão de bolsa de valores! De qual lado ele cairia, ou a que tempo.
E lá ia Melito com seu esperto, paciente e fiel cavalo ligado no piloto automático. Ele pendia para um lado e para outro, quase chegando a cair, mas eis que sumiu na última curva da empoeirada estrada, acabando com a festa.

Dias depois, lá estava Melito novamente. Quase do mesmo jeito, não fosse um pequeno detalhe: Ele estava com um machucado no nariz e outro na testa. Embora não tenha confessado a ninguém, tenho certeza de uma coisa: O cavalo podia ter até piloto automático, mas não tinha air bag.  •
Ar e direção. Não tem air-bag. Único dono.