segunda-feira, 30 de março de 2020

REMÉDIO OU VENENO


Esta segunda-feira, diferentemente da anterior, já começou barulhenta. De onde moro vejo o vai-e-vem da Av. Abel Reis e o volume de carros e motos é alto, como se fosse um dia normal de trabalho. As regras da prefeitura de Uberaba sobre restrições ao funcionamento do comércio, no entanto, estão mantidas, bem como a barreira sanitária. O prefeito daqui chegou a observar, numa reunião que teve com os representantes de entidades classistas, que a determinação do decreto vigente não impede os comércios em geral de manterem funcionamento, desde que as comercializações sejam mantidas conforme a observação das regras.

Talvez tudo isso esteja motivado pelo atual embate entre o presidente Jair Bolsonaro, que faz esforços para liberar “toda e qualquer profissão” para trabalhar, e o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que defende a restrição de circulação do maior número de pessoas porque o Sistema de Saúde, seja público ou privado, não será suficiente para atender uma eventual demanda, especialmente porque não há remédio comprovado ainda, já que, segundo ele, a cloroquina, um medicamento usado contra a malária, artrite reumatoide e lúpus, não pode ser tomada sem recomendação médica, pois pode causar arritmia cardíaca e paralisar a função do fígado.

Pois bem, dito isso, vamos aumentar o escopo e sair um pouco da linha do isolamento e da inquietação causada pela abstinência social entrar no quesito econômico. Uma coisa que observei num artigo que li pouco antes de escrever esta crônica é que a atual crise mundial do coronavírus reúne características de outras passadas: A insegurança advinda do atentado às torres gêmeas nos EUA em 11 de setembro de 2001, a ansiedade com a descoberta da AIDS no início dos anos 80 e o impacto sistêmico de 2007 desencadeado pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco nos Estados Unidos. Porém, na adversidade atual não existe um problema cambial como outrora, sendo este monitorado de perto pelo Banco Central, que por sua vez traça suas metas em busca de liquidez e controle, inclusive inflacionário, cujo percentual está próximo da mínima histórica. A palavra-chave então é crédito, que deverá vir através de linhas ou estímulos fiscais. A redução do consumo, seja por falta de compradores ou até mesmo de produtos e serviços por falta de mão-de-obra, uma vez que estes também cumprem o isolamento, leva os empresários a angústia de não saber como se manter vivo no comércio. A insegurança gera descrença e irritação, que por sua vez leva a atos de loucura, qualquer que seja.

Já disse e repito: crises vêm e vão, mas não é com desespero ou simplesmente apelo popular para que, de forma desmedida, os responsáveis pelo poder público devam esvaziar os cofres como se não houvesse amanhã. As chamadas “políticas anticíclicas” devem, como no passado, obedecer aos critérios de avaliação e cautela, afinal, quando o remédio é dado em dose alta, pode se tornar um veneno. •

Esse artigo também foi publicado no Jornal de Uberaba em Março de 2020.

quinta-feira, 26 de março de 2020

CRISES E OPORTUNIDADES


Dia desses assisti a uma videoconferência com o Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que disse que o momento não é de defender teses de direita ou esquerda, mas de planejamento e cautela. Claro que nem todos pensam assim, a começar pela queda de braço travada entre governos, estimulada por parte da mídia, pondo fogo na opinião pública que defende teses das mais absurdas.
Coincidentemente, em janeiro deste ano li um livro que falava sobre a grande depressão de 1929, uma crise que começou nos EUA logo após a Primeira Guerra Mundial, provocada não por um vírus, mas por um sentimento de que todos seriam ricos, ainda mais embalados por alguns anos prósperos. Mas a Europa no pós-guerra começou a se reerguer e diminuiu a importação dos Estados Unidos, que continuou produzindo na mesma escala, achando que o quadro voltaria a se reverter. Nem é preciso ser expert em economia pra saber que um estoque de produtos alto gera uma queda de preços. Resultado? Muitas empresas quebraram e se iniciou a queda das ações desacelerando a economia, encolhendo o produto interno bruto gerando uma recessão fortíssima que durou muito tempo. O curioso é que o governo da época, através do FED (Federal Reserve System), ou “Sistema de Reserva Federal”, algo semelhante ao nosso Banco Central, além de não ter feito nada para evitar a crise, fez estimulá-la, e quando a quebra chegou, o governo americano declarou que não era problema dele. Mesmo com tudo isso, vemos que o império americano ainda é dominador no mundo, tudo graças a sua resiliência.
Outro caso semelhante foi o da chamada “Crise do Subprime”, em 2008, também nos EUA. Tudo começou no setor imobiliário americano e acabou se estendendo por todos os setores da economia, não apenas de lá, mas do mundo todo. O negócio foi tão feio que grandes bancos tradicionais quebraram, como o Lehman Brothers, por exemplo, ou chegaram ao limite. O mesmo aconteceu com as seguradoras. Desta vez, no entanto, os governos de diversos países criaram pacotes de estímulos chegando até a injetar liquidez.
Por que estou citando estes dois casos? Junte parte deles e temos o cenário da crise atual, que contou não apenas com o surto de uma doença grave com proporções de contágio mundial com um colapso da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) provocado por um desacordo entre Rússia e Arábia Saudita que derrubou o preço do petróleo, umas das commodities mais importantes atualmente. A cereja deste bolo é o isolamento social, estagnando as economias, algo que nem convém discutir ser ou não necessário.
O que me incomoda é a atitude de certos formadores de opinião. Ontem mesmo eu li uma matéria de um site dizendo que “responsabiliza os ricos, poderosos, governos e megacorporações pelos danos que promovem na vida de milhões de pessoas em nome do lucro”. Particularmente não gosto desse tipo de ideologia vitimista, que só pensa em si como se os outros tivessem algum tipo de obrigação para com ele, ou seja, aquele que quer ser empresário para obter sucesso e ter conforto na vida, na realidade tem apenas a obrigação de manter outras pessoas. O mesmo se pode dizer em relação aos governos. Ora, bem sabemos que o governo tem por base dar empregos e transferir recursos (dinheiro para saúde, educação, etc.), e quando não falta sabedoria para administrar, a verba mingua. Mas sobra opinião e malandragem! Veja que há muitos que querem que sigamos o que pretende fazer o presidente americano (escrevo esta crônica às 13h00min de 23/mar, a volatilidade das notícias é tanta que corro o risco de ficar obsoleto na mensagem, mas segue o jogo) e distribuir dinheiro para o povo que está ocioso em casa. Por enquanto, de acordo com o noticiário atual, cada cidadão americano adulto de menor renda deverá receber do governo um cheque de US$ 1.200,00 (algo em torno de R$6.000,00), além de um adicional de US$ 500,00 (algo em torno de R$ 2.500,00) para cada filho menor de idade. Até então, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido já pensam em algo similar. E é justamente o que o povo quer agora: Receber uma grana do governo para minimizar a pancada.
Só que mal sabem eles, inclusive o povo gringo, que parte dessa grana é vinda da emissão de papel-moeda, ou seja, o governo simplesmente manda imprimir dinheiro que neste momento ainda não será refletido na inflação, mas para igualar a balança, uma hora a conta chega. Não fosse assim, qualquer problema, como os que citei há pouco, por exemplo, poderia ser sanado assim, bastava que o governo emitisse dinheiro e distribuí-lo ao povo. Contudo, o efeito disso não é o que você, estimado leitor, pensa, e sim o contrário; o excesso de inflação empobrece o povo. Só para ter uma ideia, é exatamente isso o que a Venezuela tem feito há tempos, e sua inflação beira os 10.000.000% ao ano!
Outra consequência – para uns até boa – é que o que o governo Trump está fazendo na América fará com que o ouro, uma importante commodity que serve de lastro para muitos governos, seja valorizado. Não é á toa que o Goldman Sachs tenha recomendado compra. Se você tiver grana para o longo prazo...
Uma das coisas que as pessoas precisam saber é que crises vêm e vão, e com elas sempre aparecem oportunidades. Só quem aproveita é quem se prepara. O que você tem feito nesse período de quarentena? Trabalhado, estudado ou assistido televisão o dia todo? Quanto de reserva você tem hoje? Esteja preparado e não entre na pilha de quem não está. •

Esse artigo também foi publicado no Jornal Folha de Nanuque e no Jornal de Uberaba em Março de 2020.