JOGANDO FUTEBOL, QUEBREI MINHA perna em dois lugares e por conta disso,
precisei de intervenção cirúrgica. Isso já tem pouco mais de três anos. Como
não tinha plano de saúde, acabei parando no corredor de um hospital público.
Enquanto estava naquele lugar cheio de pessoas com situações semelhantes e
algumas vezes até piores que a minha, e como tenho facilidade em fazer
amizades, em pouco tempo já estava conversando com o pessoal que estava em
derredor.
Para não citar nomes, falarei apenas das situações em que todos se
encontravam. Uma mulher que havia sofrido um AVC e estava em observação, uma
senhora com suspeita de pneumonia, um rapaz de braço quebrado também aguardando
cirurgia, uma senhora que acompanhava a filha que estava com suspeita de
leucemia e mais algumas outras pessoas.
De repente, aparece um homem e cumprimenta a mulher que acompanhava a
filha. Eles eram de uma cidadezinha próxima de Uberaba, onde resido atualmente.
O pai dele havia sido trazido às pressas, pois ao arrancar um pé de mandioca,
foi surpreendido por uma cobra que o picou na perna.
– Mas e como ele está? –
Perguntou a mulher com ares de preocupação.
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Se você não entendeu, imagina eu! |
– Tá bem... Tá lá em observação. Na
hora, a gente colocou um ovo cozido em cima, que chupou o veneno. –
Respondeu o rapaz de modo matuto.
– E a cobra? – Ela continuou
com a conversa.
– Trouxe. Tá aí, mortinha.
– E o ovo?
– Trouxe também. Tá aí, pretinho.
Eu só observava. Fiquei imaginando a cena, mas não conseguia acreditar
que aquilo era possível, sequer lógico, mas o rapaz afirmava que o veneno não
estava mais no pai dele. De fato, eu pude ver que o aquele senhor que
aparentava ter uns setenta e poucos anos, estava bem. E não era apenas eu que
estava intrigado. Os médicos levaram o ovo e a cobra para serem estudados.
Enquanto isso, o debate corria, onde uns defendiam a tese enquanto outros a
questionavam.
Até então, eu só assuntava, mais eis que o assunto rendeu outro, esse sim
contou com minha participação. Eis que a mulher do AVC, que estava na maca ao
lado da minha (atrás, na realidade, pois estávamos em fileira) começou dizendo que
sabia como curar uma picada de arraia. Ela começou dizendo:
– Gente, não é pra rir, mas sabe
como se cura picada de arraia?
– Como? – Perguntou a senhora
que estava na maca à frente da dela.
– Assim que a arraia picar é só
passar lá nas partes da mulher que sara!
– Lá onde?! – Eu interrompi já de
modo sarcástico.
– Lá... Lá nas partes! – Ela respondeu
fazendo gestos com a mão, apontando pra baixo.
Todos riram ao ver o embraço daquela mulher, ainda mais porque eu
continuava com o olhar jocoso, de quem está procurando o tempo da piada. Até
que soltei:
– Estou imaginando o tempo que
perdi... Mas agora, toda vez que eu for à praia, vou provocar uma arraia até
que ela me pique, depois eu chego pra uma mulher e falo: “moça, me empreste aí
“suas partes” rapidinho, só pra eu curar essa picada de arraia?” – Nem
preciso dizer que a risada foi geral.
– Mas por que você não usa a da sua
mulher? – Perguntaram-me.
– Ah, não... Vai que murcha!
Prefiro pegar de uma estranha! – Mais risadas ainda.
– Aí então, você experimenta de
várias. Uma ruiva, uma negra, uma japonesa... – Disse a senhora com
pneumonia, dando uma risada rouca seguida de tosse.
– Ah, com certeza! Daqui um tempo,
a gente vai se encontrar em outra situação e vocês vão me ver todo furadinho, e
já vão logo saber que eu estava brincando com as arraias...
– Eu vou lá com você! – Exclamou
o rapaz de braço quebrado.
– Não, não... Pra você eu já tenho
um ovo cozido separado! – Retruquei de imediato.
A essa altura, as risadas já haviam se tornado em gargalhadas, e
justamente por isso, apareceu uma enfermeira sisuda, deu um pito em todos nós e
acabou com nossa farra, colocando todos pra dormir aplicando Cloridrato de Tramadol no soro de todo
mundo. E o sono foi pesado. Só não sei dizer se sonhei com picada de arraia...
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Esse artigo também foi publicado no Jornal
Folha de Nanuque em Fevereiro de 2017.