quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

PICADA DE COBRA E DE ARRAIA

JOGANDO FUTEBOL, QUEBREI MINHA perna em dois lugares e por conta disso, precisei de intervenção cirúrgica. Isso já tem pouco mais de três anos. Como não tinha plano de saúde, acabei parando no corredor de um hospital público. Enquanto estava naquele lugar cheio de pessoas com situações semelhantes e algumas vezes até piores que a minha, e como tenho facilidade em fazer amizades, em pouco tempo já estava conversando com o pessoal que estava em derredor.
Para não citar nomes, falarei apenas das situações em que todos se encontravam. Uma mulher que havia sofrido um AVC e estava em observação, uma senhora com suspeita de pneumonia, um rapaz de braço quebrado também aguardando cirurgia, uma senhora que acompanhava a filha que estava com suspeita de leucemia e mais algumas outras pessoas.
De repente, aparece um homem e cumprimenta a mulher que acompanhava a filha. Eles eram de uma cidadezinha próxima de Uberaba, onde resido atualmente. O pai dele havia sido trazido às pressas, pois ao arrancar um pé de mandioca, foi surpreendido por uma cobra que o picou na perna.
– Mas e como ele está? – Perguntou a mulher com ares de preocupação.
Se você não entendeu, imagina eu!
– Tá bem... Tá lá em observação. Na hora, a gente colocou um ovo cozido em cima, que chupou o veneno. – Respondeu o rapaz de modo matuto.
– E a cobra? – Ela continuou com a conversa.
– Trouxe. Tá aí, mortinha.
– E o ovo?
– Trouxe também. Tá aí, pretinho.
Eu só observava. Fiquei imaginando a cena, mas não conseguia acreditar que aquilo era possível, sequer lógico, mas o rapaz afirmava que o veneno não estava mais no pai dele. De fato, eu pude ver que o aquele senhor que aparentava ter uns setenta e poucos anos, estava bem. E não era apenas eu que estava intrigado. Os médicos levaram o ovo e a cobra para serem estudados. Enquanto isso, o debate corria, onde uns defendiam a tese enquanto outros a questionavam.
Até então, eu só assuntava, mais eis que o assunto rendeu outro, esse sim contou com minha participação. Eis que a mulher do AVC, que estava na maca ao lado da minha (atrás, na realidade, pois estávamos em fileira) começou dizendo que sabia como curar uma picada de arraia. Ela começou dizendo:
– Gente, não é pra rir, mas sabe como se cura picada de arraia?
– Como? – Perguntou a senhora que estava na maca à frente da dela.
– Assim que a arraia picar é só passar lá nas partes da mulher que sara!
– Lá onde?! – Eu interrompi já de modo sarcástico.
– Lá... Lá nas partes! – Ela respondeu fazendo gestos com a mão, apontando pra baixo.
Todos riram ao ver o embraço daquela mulher, ainda mais porque eu continuava com o olhar jocoso, de quem está procurando o tempo da piada. Até que soltei:
– Estou imaginando o tempo que perdi... Mas agora, toda vez que eu for à praia, vou provocar uma arraia até que ela me pique, depois eu chego pra uma mulher e falo: “moça, me empreste aí “suas partes” rapidinho, só pra eu curar essa picada de arraia?” – Nem preciso dizer que a risada foi geral.
– Mas por que você não usa a da sua mulher? – Perguntaram-me.
– Ah, não... Vai que murcha! Prefiro pegar de uma estranha! – Mais risadas ainda.
– Aí então, você experimenta de várias. Uma ruiva, uma negra, uma japonesa... – Disse a senhora com pneumonia, dando uma risada rouca seguida de tosse.
– Ah, com certeza! Daqui um tempo, a gente vai se encontrar em outra situação e vocês vão me ver todo furadinho, e já vão logo saber que eu estava brincando com as arraias...
– Eu vou lá com você! – Exclamou o rapaz de braço quebrado.
– Não, não... Pra você eu já tenho um ovo cozido separado! – Retruquei de imediato.
A essa altura, as risadas já haviam se tornado em gargalhadas, e justamente por isso, apareceu uma enfermeira sisuda, deu um pito em todos nós e acabou com nossa farra, colocando todos pra dormir aplicando Cloridrato de Tramadol no soro de todo mundo. E o sono foi pesado. Só não sei dizer se sonhei com picada de arraia... •


Esse artigo também foi publicado no Jornal Folha de Nanuque em Fevereiro de 2017.

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