sexta-feira, 1 de julho de 2016

PILOTO AUTOMÁTICO

Tenho pra mim que o primeiro veículo com piloto automático foi o cavalo. Especialmente o de Melito – que aliás não sei se era nome ou apelido. Eu ainda era um menino quando estava de férias no interior da Bahia, quando presenciei uma cena que jamais me esqueci.
Aliás, esta em especial, mas cheguei a ver inúmeras cenas parecidas depois. Estou falando de gente que enche o caneco e depois de já não ter mais consciência terrena, resolve voltar pra casa montado em seu cavalo. Mas chegar lá é fácil, afinal, o piloto automático está ligado e vai ajudar. O problema é subir na montaria.
Enfim, falemos sobre a cena que não esqueci, ou melhor, voltemos um pouco para entender mais. Melito era homem falador. Gostava de cumprimentar e conversar com todos. Era o famoso “curva de rio”, pois para caminhar poucos metros, enroscava em cada pessoa para falar da vida. Coisa normal de interior.
E lá ia ele, com seu chapéu de couro na cabeça, uma camisa xadrez, – deste detalhe não me esqueci pois minha mãe tinha uma toalha de mesa idêntica àquela – calça jeans e uma bota de bico fino, daquelas de matar barata no canto da parede. Depois de muito beber, resolveu que era hora de voltar pra casa. E foi aí que o show começou.
Melito se tornou a atração da Venda. Alguns presentes que ainda beiravam a sobriedade viraram a atenção para aquele infeliz feliz que tentava subir em sua montaria. Ouvi alguns até casar aposta de que ele não conseguia. Levou uma perna e nada. Levou a perna de novo, dando algumas pedaladas pra ver se alcançava o estribo. Nada. Sentindo o inconveniente do insucesso, mudou de posição e mudou de estratégia. Apoiando as duas mãos sobre o lombo do paciente animal, recuou tomando impulso para o pulo. Com as orelhas pra trás, o cavalo prestava atenção, bem como os demais, que gritavam. Alguns incentivando, outros caçoando. E eu, só observando. O pulo foi de mais ou menos três... Centímetros. Tentou novamente, mas o segundo salto foi irrisoriamente maior que o primeiro. Outro insucesso.
Mas foi aí que ele ficou arretado de bravo. Apoiando somente uma das mãos no lombo do coitado do cavalo, o ébrio esticou o braço, tomou distância e saltou, conseguindo deitar apoiando a barriga sobre a sela. Impulsionando com as pernas, foi subindo cada vez mais e ao passar uma das pernas, começou a escorregar, e mesmo agarrando o pescoço do cavalo com força, caiu do outro lado. Só não se esborrachou porque o animal não era alto.
Em meio a gritos de ovação, Melito se sentiu encorajado – ou envergonhado, não sei dizer – e como se tivesse um momento único de sobriedade, tomou o mesmo impulso de sua derradeira tentativa e conseguiu. A aclamação pública foi imediata. Acenando a todos como prefeito eleito, Melito partiu seguindo rua acima. Mas quem disse que as apostas terminaram ali? Aquele lugar ficou parecendo o antigo pregão de bolsa de valores! De qual lado ele cairia, ou a que tempo.
E lá ia Melito com seu esperto, paciente e fiel cavalo ligado no piloto automático. Ele pendia para um lado e para outro, quase chegando a cair, mas eis que sumiu na última curva da empoeirada estrada, acabando com a festa.

Dias depois, lá estava Melito novamente. Quase do mesmo jeito, não fosse um pequeno detalhe: Ele estava com um machucado no nariz e outro na testa. Embora não tenha confessado a ninguém, tenho certeza de uma coisa: O cavalo podia ter até piloto automático, mas não tinha air bag.  •
Ar e direção. Não tem air-bag. Único dono.

Nenhum comentário:

Postar um comentário